24 de fev. de 2011

Trechos Cadáver de Poeta – Álvares de Azevedo

De tanta inspiração e tanta vida
Que os nervos convulsivos inflamava
E ardia sem conforto.. .
O que resta? uma sombra esvaecida,
Um triste que sem mãe agonizava . .
Resta um poeta morto!

Morreu um trovador - morreu de fome.
Acharam no deitado no caminho:
Tão doce era o semblante! Sobre os lábios
Flutuava lhe um riso esperançoso.
E o morto parecia adormecido.

Ninguém ao peito recostou lhe a fronte
Nas horas da agonia! Nem um beijo
Em boca de mulher! nem mão amiga
Fechou ao trovador os tristes olhos!
Ninguém chorou por ele... No seu peito
Não havia colar nem bolsa d'oiro;
Tinha até seu punhal um férreo punho...
Pobretão! não valia a sepultura!

A poesia é de cerco uma loucura,
Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no cérebro.. Que doudos!
É um grande favor, é muita esmola
Dizer lhes bravo! à inspiração divina,
E, quando tremem de miséria e fome,
Dar lhes um leito no hospital dos loucos...
Quando é gelada a fronte sonhadora,
Por que há de o vivo que despreza rimas
Cansar os braços arrastando um morto,
Ou pagar os salários do coveiro?
A bolsa esvazia por um misérrimo
Quando a emprega melhor em lodo e vício!

Um poeta no mundo tem apenas
O valor de um canário de gaiola. . .
É prazer de um momento, é mero luxo.
Contente se em traçar nas folhas brancas
De um Álbum da moda umas quadrinhas.
Nem faça apelações para o futuro.
O homem é sempre o homem. Tem juízo:
Desde que o mundo é mundo assim cogita.

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